Capítulo Três
Terminada a cerimônia de abertura, os alunos deram uma salva de palmas enquanto ambos os oradores se curvavam em agradecimento. Pouco tempo depois, os professores ao fundo – e mais os oradores – desceram as escadas e dirigiram-se para dentro da escola do mesmo modo que entraram. Assim que todos os docentes saíram, os espectadores começaram a levantar e ir ao hall de entrada da escola. Edgar e os outros fizeram o mesmo. Entre empurrões e apertos, conseguiram passar pela multidão de estudantes que atravancava o caminho até o mural. Embora não tivessem o alcançado de fato, estavam perto o suficiente para compreender qual era a sala que deveriam ir e a matéria que os introduziria a nova instituição. Depois de cruzarem novamente o mar tormentoso de alunos, Edgar e companhia viram-se cansados, porém alegres de chegar a uma grande e solitária escadaria.
- Sala 302, é isso, não é? - Indagou Sofia.
- Exatamente, seis lances de escada acima – respondeu Reaven.
- Seis? Beleza, exercício do dia feito! - Sofia reclamou.
- Olha, melhor pensar isso como um aquecimento. Afinal, mais tarde teremos esse tal de "Ensino Prático" e me soa parecido com Educação Física, não sei porque – Disse Karuko.
- É... mas com esse nome todo elaborado acho que não vai ser só flexões e futebol – Acrescentou Sofia, ao passo que chegavam o segundo andar da escola.
- Ala Norte, segundo piso. É aqui que nos despedimos pessoal! - Saldou James.
- O que?! - Falou Edgar surpreso.
- Você não vem com a gente? - questionou Sofia.
- Ah? Não! Não vou. Esqueceram? Esse é o meu segundo ano aqui – Disse James afastando-se e acenado de costas.
- Bom, parece que seguimos daqui – Disse Reaven.
- De volta as escadas, para a minha alegria – Reclamou Sofia novamente.
Assim foram seguindo, pé por pé, degrau por degrau até chegarem no terceiro andar. Lá, com o número da sala em mãos, vagaram pelo longo corredor até encontrarem a sala com o número correspondente escrito na porta. Adentrando na sala, viram alguns poucos alunos já presentes. Um menino ruivo, que escutava música enquanto rabiscava um caderno; uma menina adormecida que tinha um exótico cabelo esverdeado que descia até altura dos ombros. Por fim, mais ao fundo, uma menina de aspecto um tanto juvenil - comparada aos outros dois - folhava uma revista de moda. Talvez pelo nervosismo do primeiro dia ou talvez por verem os colegas ocupados com outros afazeres, o grupo recém chegado sequer os cumprimentou. Conversando entre si, dirigiram-se aos seus acentos - não que houvesse seus nomes marcados neles, mas procuraram a posição ideal para mediarem as tarefas de conversar e estudar. Posição essa que com certeza não era todos em uma mesma fileira ou coluna, mas distribuídos ao longo da sala. Dois, um atrás do outro, e outros dois em diagonal. Um par em cada canto.
Contudo, conversa terminou de súbito. O sinal tocou e todos pararam . Agora prestavam atenção completa ao que viria através da porta. Não demorou muito e um homem de pulôver marrom entrou carregando sua maleta negra e esguia e rapidamente colocando-a sobre a mesa do professor. Ele deu uma inspirada, olhou para o alto por alguns instantes, esfregou as mãos e cumprimentou em alto e bom som:
- Bom dia, classe! Sejam Bem-vindos a sua primeira aula do dia!
- Bom-dia! - Respondeu a classe em coro. Em seguida, o professor abriu a sua maleta e tirou um conjunto de marcadores azul, vermelho e preto. Deixando o azul e o vermelho no suporte do quadro, o homem começou a escrever no quadro um nome.
- Meu nome é Audrey Abraham Nesh, mas podem me chamar de professor Nesh. Serei o professor de Ensino Potencial Teórico de vocês - ele deixou o marcador junto aos outros no suporte e virou-se para a turma que se mantinha calada e com o olhar fixo nele. Ele esfregou as mãos novamente e prosseguiu – Bom, vocês devem estar se perguntando "o que é esse Ensino Potencial Teórico que tanto dão ênfase?". Creio eu que a primeira parte desse nome é possível entender sem pensar muito. Afinal, não é nada além da disciplina que procura entender e aprimorar esses poderes (academicamente chamados de "Potencial") que vocês têm desde que vocês eram pequenos. Agora, penso eu que a parte que traz mais dúvida é o incremento desse nome. O que é esse "teórico"? De forma simplificada, é o estudo do funcionamento dessas suas super-habilidades - Logo, ele voltou para a sua mesa, abriu a maleta novamente, tirou uma pequena pedra negra e mostrou-a para turma – Acho que um bom lugar para começar é o começo. Vamos falar sobre a origem dos potenciais, essa pequena pedrinha chamada Mihilutum.

Em seguida, Nesh contou a história por trás desse mineral de nome estranho. Pela narrativa, o Mihilutum era encontrado no fundo de grandes depósitos de petróleo. Quando as máquinas de perfuração chegavam ao fundo da jazida, essa pedrinha prendia-se nos espaços entre as espirais das brocas. A princípio, chamavam-na "sujeira de petróleo" e costumeiramente a descartavam achando que era apenas uma pedra com um pouco do material grudado nela. Contudo, alguns anos depois um pesquisador curioso descobriu que essa formação rochosa não tinha nada relacionado com o petróleo - isto é, além da localização. Mais do que isso, Descobriu ele que essa pequena pedrinha era uma fonte de energia muito mais eficiente que as demais dá época. Se fosse queimada como carvão, poucas gramas poderiam gerar energia elétrica suficiente para sustentar uma metrópole por um mês. Um quilo poderia abastecer um estado inteiro por quase seis meses. Ainda, se todo esse potencial não fosse o bastante, essa fonte era limpa. Diferente do carvão, que quando combusto libera carbono no ar em forma de fumaça, a queima de Mihilutum não produzia nenhum gás ou subproduto poluente. Quando essa pedrinha se esgotava, tornava-se inerte e, na teoria não serviria para mais nada. Contudo, outras mentes brilhantes passaram a utilizar ela em construções e perceberam que se agregada em materiais estruturais concedia a eles uma resistência altíssima à erosão e à deterioração pelo tempo. Foi então que deu-se início a "Era Moderna da Pedra" e, ironicamente, a busca pela sujeira.
Mais tarde, quando o conceito dessa pedrinha foi dissociado do Petróleo, ela recebeu o nome de Mihilutum que significa "minha sujeira", mensagem essa que reflete a incessante busca por jazidas desse mineral na época. Todavia, esse ainda não era o tempo dos Potenciais. Por algumas décadas foi somente uma nova fase industrial e comercial. Com uma nova e mais poderosa fonte de energia, máquinas maiores e mais rápidas ocuparam os espaços em fábricas e industrias de produção. A confecção de mercadorias tornou-se mais acelerada e abundante. Se anteriormente existia o que chamavam de "produção em massa", agora que predominava era a "produção em ilhas". Tamanha era quantidade de produtos que nenhuma loja teria espaço o suficiente para armazena-las. Seria necessário o espaço de um shopping inteiro ou até mesmo um bairro apenas para armazenar as mercadorias. Como solução para isso, foi criado o conceito de "Ilhas Comerciais", pequenas ilhotas ora artificias ora naturais nas quais as empresas montavam seus armazéns e ao longo da faixa de terra construíam distritos de compras, como cidades-lojas. Assim, passaram existir regiões como "a Ilha das vestes", "o Ilhéu dos automóveis", "o Leixão dos jogos" etc.
Foi só trinta anos depois do descobrimento do Mihilutum que os Potenciais foram descobertos. Sua origem se deu através de um médico pesquisador que buscava aprimorar métodos e tratamentos com os avanços contemporâneos. Ele pensou incialmente como os CEOs das industrias, isto é em colocar uma nova energia em uma máquina.Mas, não seria possível incorporar o mineral diretamente nas máquinas, uma vez que sua enorme quantidade poderia sobrecarrega-las provocando uma dose ou efeito letal nos pacientes. Portanto, o médico passou a pensar em como poderia utilizar a pedra energética como remédio. Ele fez alguns testes em ratos e sapos, fazendo-os ingerir uma dose da pedra pura e outra dose da pedra diluída. Em questão de horas, ele observou que os ambos os animais tiveram reações semelhantes a indigestão e alguns morreram em poucos dias. Em uma segunda tentativa ele preparou outra dose do mineral diluído, mas dessa vez, ao invés de fazer as cobaias ingerirem a dose ele a injetou em sua corrente sanguínea. Com o cronometro ligado, câmeras gravando e os nervos a mil ele passou longas horas cuidando e analisando os animais. Passando-se uma semana, tanto os ratos quanto os sapos ainda estavam vivos, uma vitória para o médico. O tempo foi passando e as cobaias não mostravam sinal de rejeição ou intoxicação, pelo contrário, pareciam mais animados e ativos do que antes. O médico pensou que poderia ter encontrado um novo estimulante, mas antes de dar o experimento como concluído ele deixou mais alguns dias passarem, só por precaução. Ao fim de duas semanas, o resultado o surpreendeu. Os sapos tinham morrido, mas os ratos, além de estarem vivos, estavam mais fortes, rápidos e para sua alegria não estavam agressivos. Ele finalizou o experimento uma semana depois com os ratos ainda respirando. Cheio de indagações e teorias o médico colocou-se a ler, pesquisar e experimentar mais uma vez para chegar à uma hipótese aceitável. Com os seus poucos, mas promissores, resultados ele apresenta sua pesquisa ao governo que lhe deu uma permissão para fazer mais testes em animais de maior porte. Cerca de dois anos depois, ele disserta sobre as suas descobertas.
Segundo o artigo original, o efeito do Mihilutum em seres vivos é como de um potente estimulante. Quando injetado na corrente sanguínea, ele vaga pelo corpo o tornando mais resistente e capacitando assim os indivíduos de feitos mais potentes que anteriormente eram capazes, como, suportar mais peso, correr mais rápido e mover-se com maior flexibilidade. Ainda, o médico concluiu que os efeitos eram maiores conforme sistema nervoso era desenvolvido. Ele observou que os filhotes os quais recebiam uma pequena dose na primeira infância e conforme cresciam ganhavam uma nova dose, quando na fase adulta apresentavam mais força e resistência do que os animais que receberam uma dose maior e já na fase adulta.
Esses resultados chamaram a atenção de diversos patrocinadores. A maioria deles queria incrementar os dados da pesquisa em dietas e tratamentos especiais para cães de policiais e outros animais que competiam em olimpíadas. Contudo, não era essa a intenção do médico e pesquisador. Ele queria agregar isso a medicina humana, não a veterinária. Se possível ele queria aplicar seu conhecimento em pessoas, mas não tinha permissão e recursos e infraestrutura para tal. Foi então que, quase como resposta aos seus pensamentos, uma empresa ofereceu exatamente esta proposta: aplicação em humanos. Com grande prazer, ele aceitou e passou mais dois ano em pesquisa, somente para descobrir que quando o Mihilutum é dado a humanos ele potencializa o corpo a ponto de gerar super-habilidades.
Novamente, os resultados trouxeram grande agrado para seus espectadores. Tanto agrado que mesmo o governo propôs comprar a sua pesquisa e torna-la parte da medicina pública e foi isso o que aconteceu. Com o aval e a supervisão do médico o tempo dos Potencias teve início. Assim, foi criado um tratamento de três fases. Primeira, uma semana depois da criança ter nascido, é dada dose inicial. Enquanto a criança vai crescendo, o mineral reforça o corpo e deposita-se no sistema nervoso, produzindo e armazenando o que é chamado de energia potencial. Quando o indivíduo chega à idade de oito anos, essa energia armazenada extravasa na forma de "poder" a partir de algum ponto do corpo, deixando uma marca. No dia seguinte a esse extravasamento começa a segunda fase do tratamento, na qual a criança recebe um dispositivo na exata forma da marca que fica adesivado ao corpo e irá dar a ela pequenas doses diárias de Mihilutum até ela estar com o sistema nervoso pronto para a terceira e última fase.
- Essa última fase dá-se aos 16 anos quando o indivíduo ingressa em uma escola de ensino potencial e troca o dispositivo alimentador por um outro chamado de "Pulsadeira" - Concluí Nesh bem a tempo de um entregador chegar com carregando uma grande caixa.
- Parece que eu cheguei na hora certa, professor! - Disse o entregador risonho.
- Não é? Se isso fosse combinado não daria tão certo como agora – Respondeu o Nesh rindo.
O entregador colocou a caixa em cima da mesa e a abriu. Em seguida, o professor chamou um por um para pegar uma espécie de bracelete metálico. Terminada essa tarefa, o entregador despediu-se, levando a caixa consigo, e Nesh continuou falando:
- Repetindo, o que vocês veem em sua frente é o dispositivo chamado "Pulsadeira". De maneira geral, ele substitui o alimentador que vocês carregam desde que eram crianças. Já já darei mais informações. Agora, tirem os seus alimentadores. Se o lugar onde a marca está é um pouco vergonhoso para vocês, podem ir ao banheiro sem problemas.
Seguindo as instruções do professor, alguns dos alunos saíram rapidamente da sala. Enquanto isso, os outros já tiravam os dispositivos e o colocavam na mochila ou guardavam no bolso. Assim que estavam todos na sala sem o alimentador, Nesh deu as instruções sobre o novo dispositivo:
- Como o nome já diz, vocês deverão colocar a Pulsadeira no pulso. Quando o fizerem vocês sentiram uma pequena picadinha, é o dispositivo acessando a sua corrente sanguínea para pegar um pouco de DNA e ainda criar um caminho para as próximas doses de Mihilutum.
Assim que o professor parou de falar, os alunos seguiram o passo a passo. Para alguns a maravilha do momento era tamanha que mal sentiram a picada. Outros esperavam para ver se realmente iria ser uma "picadinha" ou se de fato iria doer. Ainda, existia Sofia, que enquanto estava distraída, conversando com Edgar e Karuko, colocou o dispositivo e esqueceu-se da picada. Resultado: um grito assustado. Com a boca tampada e vermelha de vergonha ela pede perdão, mas não consegue impedir a classe de gargalhar. Ela deita a cabeça na mesa e tenta se esconder com os braços. O professor, rindo, tenta acalmar a turma para dar as últimas instruções:
- Eu avisei... Enfim! Passemos para algumas outras informações sobre essa máquina. Como disse anteriormente, ela coletou um pouco de DNA de vocês para resgatar alguns seus dados registrados do governo. Se vocês girarem o braço, uma interface holográfica irá se estender e poderão ver os seus dados, como, seu nome, idade, tipo sanguíneo, o nome de seus pais, registro geral, certificado de pessoa física e o seu Potencial principal. Também, poderão ver uma informação calculada pelo sistema chamada "Energia Potencial", esse é o quanto de energia vocês podem extrair diariamente da dose de Mihilutum. Bom, essas eram as instruções da minha área. Vocês terão outras noções sobre a Pulsadeira na aula a seguir. Creio que verão alguns outros recursos desse dispositivo e como poderão usá-lo de maneira efetiva. Bem, mas antes do fim do período gostaria de mostrar a vocês mais duas outras coisas. Elas serão o assunto da nossa próxima aula...
Enquanto falava, Nesh abriu sua maleta novamente e tirou dela dois pequenos frascos de vidro selados com uma rolha. Ele colocou-se diante da turma novamente e estendeu os dois braços mostrando o conteúdo das vidrarias. Na mão direita, um conjunto cristais azulados. Na esquerda, outra formação cristalina da cor verde-água. Logo, começou a explicar:
- Estes dois cristais que vocês veem são de uma grande importância para essa era do Mihilutum, mas para não dar a aula adiantada serei breve. À minha direita está o cristal chamado Blanchita. Ela interage com o Mihilutum de forma a distorcer a energia produzida e por sequência confundir ou enfraquecer os Potenciais. Explicando de maneira simplificada a reação dela com o mineral e semelhante a história da televisão de tubo e o ímã. Já esta, a minha esquerda, é a mais relevante delas. Esta é a Purita. Sua interação com a nossa pedrinha negra é de suma importância quando tratamos de pessoas com superpoderes. Ela faz nada mais nada menos que bloquear o fluxo de energia potencial, ou seja, ela anula e impossibilita uma pessoa de utilizar suas super-habilidades - Assim que terminou de falar, Nesh colocou ambos os frascos na maleta novamente e deu suas últimas palavras antes do sinal tocar – Bem, espero que vocês tenham ficado curiosos para a nossa próxima aula. Agora, vocês terão a aula de Ensino Potencial Prático com a professora Esther. Fiquei tranquilos e esperem na sala, ela disse que vem aqui busca-los - O sinal tocou e Esther chegou. Segurando o arco da porta, ela coloca a cabeça pra dentro da sala e chama os alunos:
- É isso mesmo, pessoal. Aqui estou eu. Agora, vamos! Não podemos desperdiçar um minuto sequer. Vão para os vestiários e troquem-se, estarei esperando vocês na quadra inferior. Ah, e bom-dia professor Nesh!
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