top of page

Para quem gosta de ler e ouvir música:

Shelter (Piano Version)
Vexento - Voyage
Mike Inel - Twins Forever

Às Praticidades

Foto do escritor: J. V. A. J. V. A.

Atualizado: 28 de out. de 2023

Capítulo Quatro


Assim que o sinal tocou anunciando o final da aula, os alunos levantaram-se, tomaram seus pertences e saíram rapidamente. Ainda na sala, o quarteto reuniu-se diante da porta e preparou-se para seguir caminho como os outros colegas. Antes que pudessem dar um passo a diante, Reaven os interrompeu com uma pergunta muito pertinente:

- Esperem um pouco. Alguém sabe onde fica o vestiário?

- Ah, que droga, Esther! – Sofia Praguejou.

- Complicando algo tão simples, mais uma vez… – Disse Edgar com a mão sobre a testa.

- Acho que têm o um mapa do colégio no Hall de entrada, podemos ir até lá – Karuko sugeriu.

- Não será necessário! – Interrompeu o professor Nesh, colocando seus pertences de volta em sua maleta – Deixem-me mostra-los um dos muitos e maravilhosos recursos que a Pulsadeira possui. Façam o seguinte: coloquem os dedos sobre o dispositivo, como se estivessem medindo seus batimentos.

- Assim? – Perguntou Sofia, mostrando-lhe dois dedos sobre o pulso.

- Isto mesmo! Agora, deslize-os em direção ao antebraço.

Ao executar esses comandos, o dispositivo dividiu-se em dois. A parte inferior, na direção no braço, começou a girar, enquanto a outra começou a piscar uma luzinha esbranquiçada. Ele deu dois “bips” e então moveu-se, ainda girando, mais ou menos até a altura do cotovelo. No espaço entre uma parte e outra, surgiu uma interface luminosa de coloração ciano. Sobre ela, apareceram ícones, quadrados, arredondados e das mais variadas cores.

- Bem-vindos ao menu do dispositivo Pulsadeira – anunciou Nesh animado.

- Ué? Mas não era para girar o pulso? – Indagou Edgar franzindo a testa.

- Aquele era somente um atalho para o registro do usuário. Para acessar o menu que contém todos os recursos e utilitários, esse é o comando – Respondeu o professor ainda animado – Mas deixem essa aula para outro dia. O que vocês estão procurando encontra-se nessa tela, ou talvez na próxima? Passe para o lado, é só deslizar o dedo. Aqui! Essa mesma! O aplicativo com a imagem de um livro e um “x” vermelho. Apertem-no.

Seguindo a ordem do professor, os alunos levaram o dedo indicador sobre o ícone. No mesmo instante a roda superior do dispositivo, próxima a mão, projetou um retângulo holográfico. Era o mapa do colégio.


- Certo! Nós estamos... Aqui! Edifício de Entrada, Terceiro andar, Sala 302. Precisamos ir... Cadê? Vestiário, Vestiário... Aqui, Vestiário! Segundo andar, ala Leste! – Disse Karuko, passando o dedo sobre o mapa – Ok, vamos lá! Obrigado, professor Nesh!

- Obrigado! – Disseram os outros em coro, partindo sem esperar a resposta do professor.

O quarteto seguiu correndo pelo corredor até as escadarias, desceram-nas aos pulos e correndo tomaram a direita. Ao se verem diante de duas portas, o grupo separou-se e entrou as pressas.


No vestiário masculino, Karuko, Edgar e Reaven depararam-se com uma cena intrigante. Os meninos que lá estavam encontravam-se imóveis e com um olhar confuso para duas grandes fileiras de armários cúbicos encostados sobre as paredes. Procurando entender a situação, eles olharam para onde seus colegas estavam fixos. Os armários, pintados de azul, tinham uma série de oito dígitos sobre cada uma das portas. Abaixo dela, um leitor de aproximação retangular que piscava uma luz vermelha. Edgar aproximou-se de um dos colegas e o cutucou.


- Ei, Olá! o que está acontecendo aqui? – Perguntou Edgar.


- Ãh? Olá! Então... estamos presos – Disse-lhe o menino enrubescido coçando a cabeça – Ninguém aqui sabe como abrir o armário. Tentamos passar nossa digital, a carteira de identificação do colégio, apontamos a Pulsadeira, nada a fez abrir.


- Esther, de novo! – Murmurou o trio em conjunto.


- Deixe-me ver… - Disse Edgar acessando o menu do dispositivo a procura algum aplicativo que pudesse ajudar.


Ao deparar-se com um ícone com imagem de um cofre da mesma cor que o armário, apertou-o. Na mesma interface luminosa abriu-se uma nova tela com o seguinte anúncio: “coloque o dedão sobre a superfície destacada”. Em seguida, um o símbolo de uma digital brilhou em verde na parte superior do instrumento. Edgar seguiu as instruções e então ouviu-se um bip e um som de destranque. Um armário abriu-se. Os colegas, surpresos, voltaram sua atenção para Edgar que pacientemente ensinava o que Nesh havia passado para eles. Logo, todos os cúbicos azulados estavam abertos.


Dentro deles, lado a lado, dispunham dois conjuntos de roupas envolvidos em um pacote plástico com uma etiqueta. À direita, a etiqueta dizia: “Uniforme Escolar”. Já à esquerda, dizia-se: “Atividades físicas”. Os meninos tomaram o conjunto indicado e retiraram as roupas de dentro do pacote, revelando conjunto para o frio e para o calor. Uma camiseta de manga curta e um moletom branco, uma calça de moletom e uma bermuda esportiva verde. Enquanto vestiam-se com o novo uniforme esportivo, Reaven, Edgar e Karuko conversavam entre si.


- Ei, o que vocês acham que vai ser essa aula? Será que vai ser algum tipo de competição ou exercícios como era no fundamental, mas dessa vez usando os potenciais? - Perguntava Karuko entusiasmado.


- Não sei dizer, parece muito técnico para ser só uma Educação Física especial. – Respondeu Reaven terminando de amarrar o tênis.


- Concordo com Reaven. A ênfase que deram tanto nessa disciplina, quanto na de Ensino Teórico, não condiz com uma aula de fundamental aprimorada. E ainda, sendo Esther a professora, tenho meus receios quanto á metodologia de ensino. Só espero que ela não nos coloque em uma roda de hamster – Disse Edgar arrepiado.


- Vocês acham ela tão cruel assim? – Questionou Reaven.


- Cruel, não. O mais correto seria dizer, talvez, analítica demais. O que acontece é que ela, as vezes, para não dizer sempre, passa do ponto ao "experimentar" nossos limites. – Explicou Karuko no mesmo grau de inquietação de Edgar.


- É! Isso e acrescente uma pitada de rigidez irredutível. Não é que ela seja muito dura, mas você não conseguir vai, digo, não vai conseguir relaxar muito se ela estiver te treinando, sobretudo, se for só você. Espero que a universidade tenha desenvolvido isso nela, para melhor. – Acrescentou Edgar, fechando a porta do armário. Agora, estavam somente o trio no vestiário. Reaven olhou para os dois com expressão de dúvida.


- Vocês têm tanto medo dela assim? Não acho que ela seja tão exagerada quanto vocês a descrevem. Pelo contrário, penso que são essas características que a tornam uma boa professora. Se fosse só delicadeza e tranquilidade, o que aprenderíamos? Além do mais, não viemos para essa escola para aprimorarmos nossos potenciais? Isso não será possível somente com puro desejo e sei que vocês sabem bem disso. E vamos logo! Talvez Esther seja mais motivadora hoje e sendo o primeiro dia, quem sabe ela seja mais gentil e acolhedora – Disse Reaven discursando enquanto caminhava em direção a porta.


Os meninos concordaram, encheram-se de determinação e seguiram-no para fora do vestiário. Lá, abriram o mapa do colégio mais uma vez e encontraram o ponto de encontro de Esther do outro lado da praça central, no chamado Edifício de Esportes.


O local onde Esther estaria esperando por eles era a Quadra Inferior. Ela era chamada assim pois ficava no nível mais baixo do prédio de esportes. Existiam ainda outras quatro quadras nos quatro andares acima – contando o terraço. Chegando no local, depararam-se com um grande salão esportivo, porém, ironicamente, desprovido de quaisquer estruturas esportivas. A única coisa presente eram as marcações da quadra no piso de madeira envernizado, dois conjuntos de arquibancadas que se estendiam pelas paredes e um grande candelabro metálico no alto teto do salão. Os três meninos, maravilhados, olhavam de cima a baixo em contemplação. Eles entravam e avançavam lentamente enquanto admiravam a grandeza do ambiente. Percebendo a chegada atrasada, Esther bateu palmas e os chamou:


- Muito bem! Meus parabéns! Vocês chegaram… atrasados! Andem rápido e sentem-se antes que eu chute vocês para fora dessa quadra.


- O que vocês estavam dizendo sobre ela ser gentil e acolhedora, Reaven? – Questionou Karuko ironicamente.


Encolhidos, eles obedecendo a ordem de Esther. Karuko e Reaven sentaram-se em um canto qualquer, enquanto Edgar sentou-se ao lado de Sofia. Assim que se acomodaram, Esther suspirou e começou a falar:


- Bem, como eu estava dizendo antes de nossos queridos alunos atrasados chegarem, meu nome é Esther Sakima e serei a professora de Ensino Potencial Prático de vocês. Bom, penso eu que o Professor Nesh já explicou a vocês o que significa o Estudo ou Ensino Potencial. Então, irei seguir para o que diz respeito a mim. Creio que vocês também já compreenderam que o que estão prestes a fazer aqui é um treinamento corporal, físico, esportivo, ou como quiserem chamar. Mas... quanto ao estilo de prática que fazemos aqui, gosto de deixar os alunos tentarem adivinhar primeiro. O que vocês acham que será feito aqui?


- Serão exercícios físicos, como corrida e flexões, não? - Disse um aluno adiantado.


- Em alguns casos, sim. Mas não é esse foco. Eu encaixaria isso como uma "lição de casa", se é que me entende – Respondeu Esther.


- Talvez... Práticas focadas, como treino de mira, escalada, levantar peso? - Disse uma menina no topo da arquibancada, tentado adivinhar também.


- Mais uma vez, lição de casa.


- Quem sabe... Esportes! É! Como o da escola fundamental, mas dessa vez usando os potenciais – Disse outro, como se lendo os pensamento de Karuko.


- Olha... é um esporte com certeza, mas ele não envolve bola e em raras ocasiões usarão ferramentas além do seu corpo – Esther olhou para os alunos confusos e deu um riso curto - Aqui, o ensino de vocês irá se basear em combate! Isso mesmo, vocês não ouviram errado. O treinamento de vocês será em forma de lutas.


Ao ouvirem isso, Edgar, Karuko, Reaven e Sofia encheram-se de animação. Não gritaram, mesmo com grande vontade. Contudo, em sua face estava estampado um sorriso de orelha a orelha. Não era isso que esperavam, mas era exatamente isso o que queriam. Quanto ao restante dos alunos, eles olhavam para Esther com maior confusão do que quando não sabiam a resposta. Alguns permaneceram assim até a aula começar de verdade. Outros vagarosamente aceitavam a condição que estavam. Esther não demorou muito para dar as primeiras instruções. Ela foi caminhando até o centro da quadra e então seguiu suas explicações, enquanto andava de lado a lado:


- Agora que vocês já sabem o que irão enfrentar existem algumas coisas que eu preciso dizer. Primeira, essa quadra é meu domínio. Claro, abaixo do diretor, mas com quanto vocês estiveram nesse lugar e na minha presença vocês irão obedecer ao que eu falar. Fiquem tranquilos, não irei pedir nada que a direção não tenha previamente autorizado. Não, vocês não precisarão me chamar de senhora Esther, senhorita Esther, mestra Esther ou qualquer coisa do gênero, basta o simples e recorrente professora Esther - Ela deu uma volta e então prosseguiu.


- Segunda: assim como cada parte dessa escola, existem regras para esta quadra. Minhas regras. Regras que eu peço, com toda a gentileza, escutem, pois eu irei cobrar duramente de vocês - Os estudantes engoliram a seco. Esther virou-se, olhou diretamente para eles e começou a contagem, indicando-a com os dedos.


– Regra número um, assim que vocês pisarem no centro dessa quadra, todos são iguais. Meninos e meninas. Altos e baixos. Magros e não tão magros. A única coisa que difere um do outro aqui é o quanto cada um dedicou-se a treinar aqui e em casa. Me escutem bem, pois eu não quero ouvir qualquer reclamação dizendo: "Ah, ele é forte demais!", ou "Ah, eu não pude dar tudo de mim. Ela é muito pequena", ou ainda "Isso é injusto, ele é muito maior que eu". Aqui, o resultado da batalha está totalmente atrelado ao seu esforço dentro e fora dessa aula. Não se amedrontem, nem se limitem por coisa alguma. Apenas treinem!


-Regra número dois, boa convivência e respeito são essenciais. Qualquer divergência dessa sentença será duramente penalizada.


- Regra número três, não existem fracos, incapazes ou algo assim. Nesse lugar, há apenas alunos em formação. Digo-lhes, com todo o carinho, não se sintam acanhados de buscar a mim por conselhos de como melhorar ou mudar. Sou firme, mas sou professora. Basta uma palavra e estarei à disposição de vocês.


- Regra número quatro, rivais dentro da quadra, aliados fora dela. Não existem inimigos. O que espero é que mesmo com as lutas, perdas, empates e vitórias, vocês nutram entre si um sentimento e atitude de apoio mútuo. Rivalidades são aceitáveis, mas inimizades, nem pensar!


- Regra número cinco, as lutas que acontecem aqui permanecem aqui. Não quero ver ninguém brigando fora dessa quadra e se isso ocorrer, as consequências serão severas.


- Por fim, regra número seis, vamos ter um excelente momento juntos e com o maior aproveitamento possível. Agora, para recapitular, irei ditar resumidamente as regras. Faço questão que repitam junto comigo - Assim os alunos foram ditando em coro as palavras de Esther:


Regra Nº 1: Em combate, todos são iguais.

Regra Nº 2: Boa convivência e respeito são essenciais.

Regra Nº 3: Não existem fracos, apenas alunos em formação.

Regra Nº 4: Rivais dentro da quadra, aliados fora dela. Não existem inimigos.

Regra Nº 5: As batalhas dentro da quadra permanecem dentro da quadra.

Regra Nº 6: Vamos ter um excelente momento juntos e com o maior aproveitamento possível.


- Ok! Revisadas e memorizadas as regras vamos partir para o que importa. Vamos às praticidades! - Esther parou e estendeu o braço esquerdo, mostrando uma Pulsadeira semelhante à dos alunos, mas com alguns traços diferenciais. Enquanto os alunos carregavam uma com coloração azul metálica, a da professora era um tanto mais arroxeada. Uma fina linha dourada delimitava as bordas do dispositivo, como uma moldura de uma pintura. Esther deslizou os dedos sobre ele na direção do antebraço, abrindo o menu do dispositivo. Enquanto Esther manuseava a interface luminosa, continuou dando as instruções da aula que seguiria – Estou com a lista dos alunos aberta aqui, eu irei chamar dois de vocês para lutarem e depois discutiremos acerca dos erros e acertos, fortes e fracos da batalha. Quando ouvirem seus nomes, venham sem demora, por favor. Ah! E fiquem tranquilos, eu não utilizarei essa metodologia sempre. Tenho outros planos, para outros dias. Mas, por hoje, será assim. Agora, vamos ao primeiro combate do dia. Deixe me ver... Debo- Deborah? Deborah Smaragd, está aí?


- Estou aqui, Professora! - Respondeu uma menina no topo da arquibancada.


- Ótimo! Venha cá - Exclamou Esther.


Então, a menina saiu de seu lugar e desceu os degraus calmamente. Ela era um tanto diferente das demais. Seu cabelo era curto, liso e de uma coloração bem peculiar: um verde, escuro como esmeralda, que irradiava quando o sol batia nele. Em seu rosto, marcavam rubras bochechas envergonhada, em razão dos inúmeros olhares que recebera quando foi chamada. Sua aparência não denotava nenhum atributo especial. Era um tanto baixa, um tanto magra, algo de se esperar de uma garota do ensino médio. Quando Edgar virou-se para vê-la pensou a mesma coisa, nada de especial. Desviou o olhar, mas rapidamente o retornou. Na segunda olhada, um estalo lhe sobreveio. Uma certa inquietude o tomou. Ele atentou-se para ela em busca de uma resposta para o sentimento estranho. Mas nada lhe parecia justificar, aquela sensação. No lugar disso, identificou algo familiar.

- Sofia, olhe pra cá - Disse Edgar para Sofia que trocava sinais com Karuko e Reaven.

- Oi, o que foi?

- Você conhece essa garota?

- Não. Você conhece?

- Não também. Mas algo me intriga nela.

- Confesse, você achou ela bonita. Pode dizer isso pra sua irmãzinha.

- Não! Não é isso. Ela só... não me parece tão genérica.

- Genérica? Isso é crueldade com os outros. Mas prestando atenção, realmente. Aquele cabelo verde não é algo comum. O de Karuko não chega nem perto e olha que é a mesma cor. Você tem bom gosto, irmãozinho.

- Quer parar com isso Sofia!

- Não enquanto isso te incomodar - Sofia retribui com risos.

- Muito engraçado. Estou falando sério. Olhe, não vê nada familiar?

Agora, Deborah já estava em quadra. De pé, parada como uma porta, ela estava do lado direito da quadra, esperando pela ordem da professora que deslizava os dedos sobre a interface do dispositivo procurando outro aluno o quem pudesse chamar. Sofia virou-se completamente para onde ela estava, tirou um par de óculos do bolso da camisa e os colocou.

- Você precisa usar mais seus óculos.

- Eu sei, eu sei. Eu só não gosto de ficar com eles o tempo todo.

- Você consegue ver sem eles?

- Mais ou menos. Agora, deixa eu olhar bem para ela. Opa!

- O quê?

- Você tem razão Eddie.

- Ah! Não falei?! Mas... no que eu tenho razão mesmo?

- Que ela não é alguém comum. Ou pelo menos, não é igual aos outros daqui.

- Ah, sim! Isso mesmo! A postura dela me parece conhecida. Ela está firme, não rígida como se estivesse nervosa, mas sim determinada. Diferente do povo assustado que temos atrás de nós.

- Sim! E olhe as mãos dela, consegue enxergar?

- Consigo. São calos.

- Exato! São como os seus de tanto esbofetear o saco de areia do papai.

- Sim... Ah! E olhe os olhos dela. Você vê? São brilhantes, parecem até combinar com a cor de seu cabelo. Mas o brilho não é só luz. Esse olhar é de alguém animado, fixo, focado, centrado e com um desejo ardente de vitória. Ha! Parecem até os da...

- Da Esther, não é? Faz tempo que não a vejo lutar, será que seus olhos continuam tão brilhantes assim?

- Espero que sim, ou que estejam ainda mais brilhantes. Precisamos chamar ela para treinar. Quero ver se dessa vez eu consigo vencê-la na esgrima.

- Vai sonhando. Olha! Ela vai fazer o anúncio – Disse Sofia, encerrando a conversa. Esther deu um passo na direção da arquibancada e pôs-se a falar:


- Perdoem a minha demora. Irei anunciar agora o anunciar o adversário. Karuko Pendragon, venha a diante.


Em seguida, Karuko levantou-se do seu lugar e desceu os degraus aos pulos, quase tropeçando no último. Era evidente a sua grande animação. Agora, estava ele no lado esquerdo da quadra, oposto a Deborah, procurando acalmar o excesso de euforia. Alongando-se e respirando fundo, ele tentava substituir sua agitação por concentração, mas era inevitável. Karuko era o que muitos chamariam de desafiante nato. Era dotado de uma competitividade colossal e uma coragem – ou estupidez - ainda maior. Pouco importava o nível do adversário, fosse um experiente esportista internacional, um colega de classe, ou até mesmo sua irmã menor, Karuko dedicava-se por inteiro a luta. Não havia honra maior para ele do que colocar o seu espírito em um combate. Infeliz era ele quando não o podia fazer. Muitas vezes tinha sido repreendido por exagero e por falta de empatia com os adversários - mesmo sendo o contrário disso. Esther o conhecia desde que ele era uma criança. Limitar-se não era o estilo de Karuko e muito o desejo de Esther. Vendo seu marcante sorriso pateta desaparecendo enquanto se alongava, Esther aproximou-se do círculo em direção ele. Tocou seu ombro e cochichou em seu ouvido:


- Se você reduzir a marcha, eu te mato!


Imediatamente o sorriso infantil de Karuko retornou ao rosto. Não somente um sorriso, sua face inteira demonstrava um grande entusiamo diante da luta eminente. Agora, ele estalava os dedos e encarava Deborah com chamas no olhar. A expressão dela permanecia imutável, mas Karuko sentiu uma fagulha curta, porém intensa, de sua adversária. Ela também estava ficando animada.


- Escutem bem! Vocês já sabem as regras, quero todas elas em prática para essa batalha. Como esta é somente uma luta de iniciação, vocês não estão autorizados a utilizar os seus potenciais. Agora, eu irei fazer a contagem, quando eu chegar a três estão liberados. Pequenos, tenham uma boa luta e deem tudo de si - então, Esther foi até a arquibancada, sentou-se ao lado de Edgar e apertou alguns botões em sua Pulsadeira. Em seguida, ela cruzou as pernas, estendeu o pulso e começou a contagem.


– Vamos lá! Um... Dois... Três!


Ambos saltaram para longe. Distantes um do outros, começaram a circundar o centro da quadra. Mantinham contanto visual extremo. Não piscavam, não ladeavam, mal moviam a cabeça do lugar. Estavam se analisando, procurando uma brecha. Um desequilíbrio, um tropeço, um avanço descuidado, qualquer coisa que saísse do ritmo comum de movimentação. A plateia acompanhava atônita, muda, sem ousar fazer um som, como se duas feras tivessem invadido a quadra e estavam brigando pelo território. Grande parte, se não todos os presentes, olhavam boquiabertos para o combate diante deles. Esther, percebendo a atmosfera que gerara, sorriu em triunfo. Os dois no centro da quadra começaram a aproximar-se involuntariamente. Estavam tão fixos um no outro que mal perceberam que seus corpos estavam chegando mais perto. A ar era denso e a tensão tomava conta do ambiente. Todos pareciam rígidos e atemorizados. Mas ninguém se movia, se quer os combatentes saíam de sua forma estável. Esther deu outro sorriso, dessa vez travesso. Edgar olhou para ela e riu de igual forma. De repente, um estalo curto e ecoante quebrou o pesado silêncio. A plateia gritou e gemeu de sobressalto e os combatentes pularam para trás novamente. Karuko, ao tocar o chão, cambaleou. Deborah, investiu rapidamente e sem demora o socou, fazendo-o cair sentado. Na sequência, desferiu um chute em direção a sua cabeça, mas sem sucesso. Karuko, rolou para o lado e deu um pontapé na perna de apoio de Deborah. Ela caiu de queixo no chão. A plateia desviou o olhar de dor, mas Deborah permanecia firme. Resistindo a dor, ela cerrou os dentes e levantou-se junto do adversário. Eles deram um passo para atrás e saltaram retornando a luta. Karuko tentou socá-la, mas falhou. Deborah fez o mesmo, mas teve o mesmo resultado. Por um pouco mais de dois minutos esse padrão errante perdurou, até que Karuko parou abruptamente. A adversária não desperdiçou a abertura. Desferiu um golpe jogando todo o seu peso em direção a ele. Karuko sorriu novamente. Ele desviou, fazendo-a tropeçar. Antes que ela caísse no chão, ele chutou-a nas costas, jogando-a contra a borda da quadra. Ela tossiu e tentou levantar-se novamente, apoiando-se sobre os braços, mas eles fraquejaram deixando-a cair no chão mais uma vez.


- Vitória de Karuko! - Exclamou Esther. Em resposta, os estudantes bateram palmas e comemoraram a sua conquista. Ele, por sua vez, também comemorava atirando os braços para cima. Deborah, por outro lado, continuava a tentar pôr-se de pé sem sucesso. A professora veio ao seu encontro e envolveu o braço dela em seu pescoço. Assim, lentamente, a carregou até a arquibancada. Não demorou muito e Esther chamou a atenção da turma:


- Então, telespectadores... O que acharam da luta? Gostaram? Me digam, algum de vocês pode apontar o erro ou acerto que gerou esse resultado? - Ninguém respondeu. Esther suspirou e então estendeu o pulso. Em seguida, uma interface holográfica projetou-se da Pulseira da professora. Era uma gravação da luta que acabara de ocorrer. Ela repassou-a com maior aceleração, tentando retirar alguma palavra dos estudantes, mas sem sucesso.


- Vamos! Estou esperando a resposta de vocês. Nenhum palpite? - silêncio absoluto. Esther deu um suspiro e deu-lhes a resposta – Ansiedade! Ansiedade e a falta dela é que foram os grandes marcos que definiram o resultado dessa luta. Karuko, excelente! Sua tomada de decisão, mesmo na mais tensa troca de golpes, foi decisiva para essa luta. Decisão decisiva, que ironia.


- É redundância - Cochichou Edgar corrigindo a irmã. Ela riu e deu-lhe um chute na canela. Então continuou sua fala:


– Deborah, por outro lado, viu-se pelo menos duas vezes diante de boas aberturas para atacar, contudo, prosseguiu descuidadamente em ambas. A primeira, por sorte, atingiu o alvo. A segunda, mal foi avaliada e já estava sendo explorada. Você não teve ao menos a chance de perceber que era uma armadilha. Se tivesse prestado mais atenção talvez perceberia que a quebra de ritmo de Karuko não era uma brecha e sim um ato planejado.


Esther permaneceu monologando por um bom tempo, exortando Deborah e ensinando os outros alunos as custas de seu erro. Deborah tentava demonstrar compreensão e indiferença, mas cada palavra pesava eu seu coração. Não era somente Karuko dotado de uma grande competitividade. Como um estudante que falhou no exame de admissão por ter trocado as letras de ordem na folha de respostas, assim sentia-se Deborah. Não fora falta de capacidade, nem técnica. Fora um simples, comum, mas extremamente frustrante, vacilo de atenção. O desgosto descia-lhe o peito e a decepção enchia seus olhos de lágrimas. Era somente uma luta de iniciação, mas Deborah parecia não lembrar disso. Ela rangia os dentes e cerrava os punhos com força, tentando conter o choro, mas ele era incrivelmente forte. Sua respiração ficou soluçante e seu desejo era de gritar de raiva, frustração e tristeza também, mas ela continha-se ao máximo. Edgar, observando-a de longe, foi tomado por uma estranha empatia por ela. Estranha não porque era incomum para ele, mas porque o que veio na sequência desse sentimento era anormal. Cheio de compaixão pela derrotada, Edgar começou a entristecer-se por ela. Ele já havia sentido o que ela sentia, talvez não na mesma situação ou na mesma intensidade, mas sabia qual era sensação de ser derrotado por falta de atenção. "Uma frustração esmagadora, uma raiva angustiante e o sentimento que você o maior idiota do mundo", cochichava Edgar como se estivesse lendo as emoções de Deborah. Na mesma hora Karuko deu um riso alto em resposta a algo que Esther estava falado, mas Edgar não tinha ouvido. Ao ouvir o som da sua voz, uma forte irritação veio sobre seu peito, como se desprezasse seu amigo. Isso que era anormal. Edgar o conhecia de muito tempo. Karuko era seu primo e seu amigo mais íntimo. Sabia mais sobre ele do que a cerca de sua irmã gêmea. Entendia como ele se sentia e como comportava-se mais do que qualquer. Viu-o derrotar e ser derrotado inúmeras vezes e em todas sentiu-se compassivo ou dele ou de quem era vencido por ele, mas nunca o desprezou, muito menos sentiu qualquer desgosto sobre ele. Isto era tão incomum que quando Edgar pegou-se com esse sentimento bizarro, sacudiu a cabeça tentando espantar os pensamentos indesejados e franziu a testa procurando entender o que acabara de acontecer. Não conseguia chegar em uma resposta lógica, na verdade sequer conseguia pensar em uma resposta. Uma dor de cabeça e um certo enjoo lhe tomaram tão repentinamente quanto o sentimento. Felizmente o sinal do intervalo tocou.


- Bem, alunos... Aqui nos despedimos por enquanto. Mas não se esqueçam que essa é uma despedida breve. Nos encontraremos no próximo período, depois do intervalo. Não se preocupem, a aula será no mesmo local. Estarei esperando por vocês aqui. Já lhes adianto, tenho uma boa luta planejada para quando voltarem. Até! - Despediu Esther de seus alunos enquanto eles passavam pala porta da quadra.


O quarteto mais uma vez se reuniu, agora para conversar sobre a batalha de Karuko. Reaven o exortava por uso descomedido de força. Para ele, Deborah parecia ser boa lutadora, mas isso não justificava o ponta pé que ele a deu. Sofia, por outro lado, defendia Karuko. Na sua visão, a luta não poderia ter sido melhor. Altos e baixos, acertos e erros, eram comuns em combate, o importante, para ela, é que tinha sido um bom combate. Karuko ouvia ambos sem escuta-los, estava deleitando-se na sua primeira vitória em sua primeira batalha no colégio. Edgar seguia atrás, lento, mudo e com a mão sobre a cabeça, gemendo. Conforme o tempo ia passando, a dor e o enjoo diminuíam, mas ainda eram fortes e incomodativos. De repente, Edgar parou. Os outros, ao perceberem o seu estado, voltaram-se para ele preocupados.

- Está tudo bem, Eddie? Você está branco, mais do que o normal – Questionou Sofia, tirando-lhe um sorriso dolorido do rosto.

- Ela tem razão. Quer que te levemos a enfermaria? – Perguntou Reaven chegando mais perto, como se fosse toma-lo pelo braço.

- Não, não. Obrigado! Deve ser só o efeito rebote da corrida de hoje de manhã. Eu comi pouco no café, também. Só me deixem descansar um pouco – Respondeu Edgar um tanto ranzinza.


Os três concordaram com a exigência do amigo. Então, Edgar despediu-se e separou-se do grupo. Pela terceira vez, abriu o mapa do colégio e pensou em onde poderia ir para tomar um ar e deitar um pouco. O terraço do prédio lhe parecia uma boa ideia. Logo, pegou o primeiro elevador que viu e subiu para o ultimo andar. Lá, ele veio a conhecer a chamada Quadra Superior, a mais alta do Edifício de Esportes. Ela cobria quase todo o andar e, assim como a Quadra Inferior, não tinha nenhuma estrutura desportiva. O que era novo sobre ela é que não havia arquibancadas – o motivo para isso era óbvio: a altura – somente alguns bancos de madeira azul piscina. Contornando toda a margem do andar, existia uma grade de proteção elevada, quase como uma gaiola a céu aberto. Perto dela, podia-se avistar por entre os vãos todo o complexo escolar. Os professores caminhando nos corredores abertos, os alunos comendo ou correndo e as árvores balançando ao passe do vento. Quanto mais Edgar olhava para essa paisagem, mais as dores eram substituídas por uma sonolência. Tomado pelo cansaço e sem muita disposição para procurar um lugar melhor, deitou-se no chão mesmo e adormeceu.




Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


Image by Kiwihug

O que achou do texto? Gostaria de baixa-lo?

  • Pinterest

©2020 por J. V. L. ALVES. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page